Pico, pico, serenico, quem te deu tamanho bico, dizia a avó,
as mãos pousadas na saia preta de viúva de muitos anos, e a menina tentava
acompanhar o ritmo da lenga-lenga com os
deditos minúsculos beliscando, entre o indicador e o polegar, as pregas da mão
velhinha, com manchas castanhas e estradas azuis sob o véu da pele. Gostava a
menina daquela mão, diferente da sua, diferente da da mãe, com as pregas que os seus deditos iam pegando,
aumentando, desfazendo, pico-pico serenico. Ficou-lhe o retrato da mão da avó,
tão bonita, tão disponível, sossegada no colo, na cadeira baixinha, e a voz
macia a repetir, pico, pico, serenico, quem te deu tamanho bico, e o resto que
esqueceu. Não pode lembrar-se de tudo, mas as mãos da avó permanecem com ela,
como se fossem as suas.
Licínia Quitério
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