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30.3.14

PICO, PICO, SERENICO


Pico, pico, serenico, quem te deu tamanho bico, dizia a avó, as mãos pousadas na saia preta de viúva de muitos anos, e a menina tentava acompanhar o ritmo da lenga-lenga  com os deditos minúsculos beliscando, entre o indicador e o polegar, as pregas da mão velhinha, com manchas castanhas e estradas azuis sob o véu da pele. Gostava a menina daquela mão, diferente da sua, diferente da da mãe, com as  pregas que os seus deditos iam pegando, aumentando, desfazendo, pico-pico serenico. Ficou-lhe o retrato da mão da avó, tão bonita, tão disponível, sossegada no colo, na cadeira baixinha, e a voz macia a repetir, pico, pico, serenico, quem te deu tamanho bico, e o resto que esqueceu. Não pode lembrar-se de tudo, mas as mãos da avó permanecem com ela, como se fossem as suas.

Licínia Quitério


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