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28.4.11

NÃO DURAM



Não lhes resisto. Não duram, dizem-me. Eu sei. Hoje são botões perfeitos, rigor de forma e de cor, beijos de juventude, sorrisos de infante, piscar de olhos da perfeição. Não devia, mas colho-os. Um, só mais outro, outro ainda. Há-de haver uma casa dos botões do meu vestido que os recebe. Pingos de garridice no meu tempo de tantas rosas. Logo mais terão uma pequena taça com água que os acolhe, os compensa de um mau trato por amor. Vejo-os abrirem as múltiplas pétalas, espreguiçarem-se em círculos cada vez maiores. Enchem a taça. Deixaram de ser botões. São flores. Chegaram à idade adulta, numa pressa de adolescentes. Amanhã serão velhas e as pétalas enrugadas, desbotadas, cairão sobre a mesa. Demoro a deitá-las fora e o meu ligeiro remorso de as haver colhido amolece com o perfume leve que persiste nas madeiras.



Licínia Quitério

27.4.11

LEMBRAS-TE?



Com o sol de Abril vêm os caminhos velhos, os amigos velhos, a nostalgia de saltar à corda, de saltar a fogueira, de saltar o muro, de saltar por saltar. E há a terra, a mesma, sob o asfalto, sábia, silenciosa, a guiar-me os passos. É por ali, lembras-te?

Licínia Quitério

22.4.11

ABRIL E MAIO




Uma experiência caseira.

Licínia Quitério

19.4.11

GATA



Nesta tarde de chuva, arredondo-me, enovelo-me, imobilizo-me, escondo-me, protejo-me. Fico assim, ausente, em sono demorado, por dentro do meu pelo de gata, do meu nome de gata, do meu tempo de ser gata.

Licínia Quitério

14.4.11

CRAVEIROS DO AR



Vivem do ar, têm folhas duras, aguçadas, de cor acinzentada, como se estivessem numa morte latente, durante parte do ano. Mal nos damos conta de que se multiplicam, em novos tufos que, se os desprendermos dos fios quase inexistentes que os ligam à mãe, por sua vez se multiplicam. Chamo-lhes "craveiros do ar", expressão que herdei da minha Avó que os tinha pendurados nos ramos da grande pereira de "peras pardas". Depois de minha Mãe, chegaram até mim e vivem suportados por uma rede de plástico. Hoje surpreendi-os com a primeira flor. Apenas ainda um botão que se desenvolverá numa longa inflorescência, galante de vermelhos e azuis. São uma excentricidade, uma fuga à regra, uma interrogação, uma prova de sobrevivência conquistada na parcimónia, na discrição. No meu jardim minúsculo não há só vasos. Também há milagres.


Licínia Quitério

13.4.11

PALMEIRAS



Era uma vez uma palmeira e mais quatro. Eram os meus anemómetros que me diziam, quando de manhã abria a janela, qual a intensidade e direcção do vento. Ontem ouvi o barulho horrível de uma serra eléctrica. Não queria acreditar. As palmeiras foram condenadas à morte. Os colossos tropicais, que alguém em tempos idos ali fez plantar para dignificar a vivenda, estavam a ser reduzidos a grossas fatias de madeira com heras e polipódios agarrados. As árvores são assim - dão guarida e sombra aos mais fracos. Na vizinhança dizia-se que estavam a estragar a casa. Acredito. Palmeiras não são mangericos. Mesmo fora do seu habitat natural, crescem, encorpam, frutificam, impõem-se. Porventura os donos não sabiam deste querer vegetal, desta força que plantavam. Estragavam a casa. Acredito, mas fico triste. Como é que agora vou saber donde sopra o vento?


Licínia Quitério

8.4.11

A OCIDENTE



Aqui a ocidente é que me vejo. É esta a praia a que pertenço. A tua imensidão foi tudo o que aprendi. De nada mais preciso. A vida me acontece.

Licínia Quitério

3.4.11

O PÓ DO TEMPO



O pó do tempo, as manchas do tempo, os estragos, os apagões, os hiatos na memória, tudo o que foi, e o que já não é, e o que ainda é, e o que ficará depois de nada ser. Caminhadas, cavalgadas, paragens, viragens, retornos, novas caminhadas, cada vez mais lentas, mais curtas, mais serenas, cada vez mais perto, cada vez mais longe. Sobre os silêncios, os ecos, os reflexos, as miragens, as imagens, as sombras. A lembrança de um vestido de flores, de uma caixa de bolos, de um colo morno, de uma cantilena, de uma zanga, de um mimo, de um ninho. Olhar para trás e divisar o princípio. Acertar o passo, uma vez mais, caminhar, devagar, já sem pressa, cumprir a estrada, o salto, o voo. Tão longe o ninho!

Licínia Quitério

FLORBELA



Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus braços...

Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...

Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri

E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...

Florbela Espanca

2.4.11

NOITE





A noite tem janelas que nos querem bem. De ténues luzes, de arrendadas cortinas, quem sabe um gato no parapeito. É doce o tempo das janelas da noite.


Licínia Quitério

1.4.11

CESÁRIO



Nas nossas ruas, ao anoitecer,

Há tal soturnidade, há tal melancolia,

Que as sombras, o bulício, o Tejo, a maresia

Despertam-me um desejo absurdo de sofrer.



Cesário Verde, "O Sentimento dum Ocidental"

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