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26.12.10

ANO VELHO/ANO NOVO

O Ano está Velho. Viu muito, muito amou, muito aprendeu, esqueceu o que havia de ser esquecido, sofreu e chorou. E riu, riu de puro contentamento. E riu pelas ruas e pelas praças das canções e dos amigos. E abraçou os poetas e os sonhadores e os puros e os que foram chegando às suas casas de todos os lugares. E deu palavras muitas e vozes cantantes e histórias que inventou porque as viveu. Gritou também quando foi urgente gritar que sempre a indignidade rejeitou e escorraçou da sua porta e das portas dos deserdados. O Ano é velho e não é santo. Também soube zurzir e desprezar e apagar se foi preciso. Aos ingratos, aos tolos, aos medíocres, aos falsos, disse Não, definitivamente. O Ano é Velho e gosta do seu nome. Será Novo outra vez. A caminho de ser Velho, de mais saber, de mais fazer, de mais amar. Na roda da vida, eu sou o novo e o velho de todos os meus anos.








FELIZ ANO NOVO PARA TODOS VÓS!

 
 
Licínia

21.12.10

OLYMPIA

Uma reprodução da Olympia, de Manet, acompanha-me por várias casas, vários tempos. Uma insignificante estampa de loja de museu, bem infiel ao original que me atraiu, mas assim mesmo um registo a conservar. Enigmática aquela mulher-criança ainda com algum pudor da sua nudez exposta, proposta, vendida. A criada negra, opulenta, com o ramo de flores que chegou de um licitante daquela  frescura triste, ou, quem sabe, de um apaixonado anónimo, tímido e sofrido. E o gato preto, quase uma mancha adivinhada a tocar os lençóis, elemento intruso e misterioso. Tantas histórias o quadro já me deu. Tantas outras me negou. Olympia, serena, humilhada e poderosa, persiste em olhar-me, desafiar-me. E eu cedo, fixo-a também, mas nunca por muito tempo. O gato causa-me algum incómodo.

Licínia Quitério

14.12.10

BOAS FESTAS


Deixa-te disso, Pai Natal. Queres fazer-nos acreditar que lês as as cartas que te escrevem, tu o Provedor para a Altíssima Comunicação Celestial? Nós sabemos da resma de secretários, sub-secretários, ajudantes, consultores, assessores, e outros descansadores, que tu contrataste para essa tarefa. É um escândalo, Pai Natal. Então tu pagas à cambada milhões de reno-dólares saídos directamente do renário público, só porque são teus primos, manos, avós, vizinhos, companheiros de copos, amigos das amigas do Trenó-Bar? Esqueceste-te dum pormaior, PN: "vikingleaks", já ouviste falar? Pois, já calculava, andas muito distraído com o Tundraville e a colheita de líquenes virtuais. Tem juízo, PN! Se te atreveres a aparecer com umas bugigangas coloridas para nos calares a boca sobre a cambada que nos calhou que é igualzinha à tua, eu ligo o turbo da minha lareira e tu entras em órbita para sempre, mais as prendinhas, mais as renas, mais as barbas postiças, mais o Rosebud, mais os jingle bells, mais todos os ohohohoh com que nos tens andadado a atazanar os ouvidos. Mau feitio, eu? Nunca ninguém se queixou.


JC

Nota: Lá pelo Facebook alguém pediu para escrevermos ao Pai Natal. Tomei nota de uma das mensagens. Esta!!!

Licínia Quitério

11.12.10

ESCLARECIMENTO

Os textos de escrita criativa que tenho andado a publicar resultam de desafios lançados no Facebook pelo meu amigo José Pires  que os põe ao dispor do seu grupo de amigos. Por todos os impropérios que se lancem sobre a realidade das redes sociais da internet, a verdade é que as pessoas que lá estão são as mesmas com quem nos cruzamos, ou as que nunca veremos mas existem. Daí que nas redes circulem todos os vícios e virtudes inerentes aos humanos que somos. Lá aparecem os invejosos, os aduladores, os convencidos, os fúteis, os desinteressantes, mas também os generosos, os atentos, os talentosos, os sinceros, os que valem a pena. Pessoas interessantíssimas por lá tenho encontrado e com elas tenho trocado saberes, sendo apreciável o montante de conhecimentos que vou colhendo e também divulgando. A net nunca substitui o real, mas acrescenta-o, para o bem e para o mal. Essa a escolha que nos cabe, como em todas as nossas vidas.

Licínia Quitério

ESCRITA CRIATIVA

TEMA

Parecia estar ali há séculos, sempre com a indiferença dos que já não ouvem palavras de esperança há muito tempo, mas os seus olhos brilhantes eram um convite. Sentei-me.

Dei-lhe a mão e isso foi como se lhe abrisse uma torrente de palavras:
— Sabes, eu...


DESENVOLVIMENTO

... já tive uma mão como a tua. Tão linda, parece de seda. Pois, acreditas. Que bom! Sabes, às vezes julgo que fui sempre assim, velha, feia, com esta pele que sobra por todo o lado. Feia, sim, minha filha. Bonito é ser como tu. Novinha, brilhante, sempre a correr, a rir alto. Não reparas que os velhos já não riem? Abrem a boca, desdentada como a minha, e deitam cá para fora uns barulhos. Sorriso bonito, o meu? É dos teus olhos, amiga. Há tanto tempo que não me seguravam na mão. Nem me olham. Aparecem por aí, muito atarefados, deixam alguma coisinha e vão-se embora sem me verem. Sim, sem me verem. Não fazem por mal, coitados. É a vida. Têm sempre muito que fazer. Sorte tenho eu que vêm cá uma vez por semana. Há aí outros velhos que ninguém visita. Se calhar não estão cá. Ou já morreram todos. Não, filha. Eu não preciso de nada. Os velhos só precisam de ir embora. Maçamos muito os novos, coitaditos. Somos um estorvo. Um estorvo, é o que te digo. Ah esta minha cabeça. Estava a mentir-te. Os velhos precisam muito de sol. Aqui está sempre tão escuro. Talvez seja das cataratas. Deve ser. Mas, filha, não é desse sol. Eu não me sei explicar, fui sempre uma burra. De qual? Daquele que tu trazes na mão e me dás agora. Assim. Assim mesmo. Tão quentinho. Tão macio. Percebes-me? Estou tão contente. Volta, sim. Fico bem, não te preocupes. Vou guardar o teu sol no meu bolso. Quando voltares trazes mais? És um anjo. O anjo do sol, minha querida.


Licínia Quitério

foto da net

1.12.10

ESCRITA CRIATIVA

     

TEMA


"Consegui convencer-te a dar uma volta no calhambeque do meu avô.
Parámos naquele local deserto à beira do lago e..."


DESENVOLVIMENTO

Eu disse-te que esperasses para saires pela porta do meu lado. Nunca me ouves. Ou não ligas. Já sabes sempre tudo. É como quando te digo: Hoje não venho jantar. Não ouves. Não perguntas. Não te interessa. Há quantos anos não me ouves? Não dás respostas, não fazes perguntas. Falas, falas muito. É a ti que contas as histórias do dia, as histórias dos outros, as histórias do mundo. Só eu nunca entro nessas histórias. Como se fosse invisível ou me tivesses apagado. Eu disse-te que esperasses para saires pela porta do meu lado. Gritei-te. Nada disseste. O lago era apenas um charco com uns palmos de fundura. Naturalmente,seguiste caminhando, a água pela bainha da saia. Ias estranhamente serena. Foste até ao fim do charco. Voltaste de novo pela água, com a saia molhada moldando-te os joelhos. Tive vontade de te ir buscar, de te pegar nos braços, de fazer amor contigo sobre a relva da margem. Não fui capaz. Fiquei de pé, olhando-te, vendo-te aproximar, tirar os sapatos, escorrer-lhes a água, entrar no carro e fechar a porta. Sorrias e desejei beixar-te a boca. Não fui capaz. Entrei no carro e atirei: Eu bem te avisei. O sorriso apagou-se. Percebi que me ouviste. Isso me bastou. Um dia hei-de ser visível de novo. Liguei a ignição. O carro deu um solavanco e levou-nos estrada fora. Nenhum de nós falou. Hoje, que já cá não estás, conto-te isto tudo, com a certeza, agora sim, de que não me responderás.


Licínia Quitério

foto da net

ESCRITA CRIATIVA



TEMA

«Que fado te enraizou, porque cresceram os ramos no teu corpo de mulher?» — perguntou o caminheiro enquanto se apoiava no bordão, dispondo-se a ouvir a história.

«Bem, eu…»

DESENVOLVIMENTO

Bem, eu tenho nas seivas lembranças de mulher. Correm rápidas quando a primavera se anuncia e o meu tronco estremece e nos ramos passam falas que vegetais não são. Não sei ao certo o que quer dizer amor, mas sei que é quando os pássaros me procuram e se aconchegam por entre a macieza verde da folhagem. Lembro-me da ardência do verão na pele que já foi seda e agora é lenho. Chamam-me louca porque me dispo quando chega o frio. Nunca o fiz quando tive o nome de mulher e só à lua mostrva o meu corpo livre, leve, quente por dentro da noite, quando as florestas me chamavam. Não sei quando os meus pés se afundaram na areia e se alongaram e procuraram os bichos cegos de pelagem suave. Foi há muito tempo já. Foi, já te disse, quando eu ainda tinha nome de mulher. Nesse tempo eu queria saber do interior da terra e das alturas do céu. E corria, corria. E tudo me fugia. Agora que me chamam árvore, sei dos segredos da água e da escuridão da terra. Sei também da espessura do azul que acaricia os muitos braços que ganhei. Esqueci o rosto que já tive. Tenho agora os mil rostos dos caminheiros que me fitam. Sei muito de árvore e pouco de mulher. Quem me fadou não sei que forma tem. Dele só sei um nome. Sonho. De sonhar. Respondi-te?

Licínia Quitério

foto da net

PORTUGAL 2

Portugal é o lugar geométrico hoje definido pelas suas fronteiras seculares. Nesse lugar nascem e vivem pessoas que falam a mesma língua e constroem uma memória comum onde se guarda a história das muitas histórias que vão sendo vividas. Por outros lugares que não este, os Portugueses foram passando e, com as vicissitudes dos tempos, foram deixando laços de novas memórias partilhadas e sempre contadas em Português, também ele eivado de novidade. Nesses lugares em que hoje se vive, mais ou menos portuguêsmente, se remete para um Portugal distante que por ali passou, deixou semente e a casa voltou. Portugal físico é o lugar e as suas gentes. A língua portuguesa será a sua reserva e extensão de afectos a que também se pode chamar cultura.

Licínia Quitério

Nota: Este texto e o anterior são respostas a desafios lançados no Facebook, pensados e escritos na hora.

PORTUGAL 1

Portugal é o lugar que me coube no nascer e decerto no morrer. Amo-o e detesto-o, mas dele não posso nem quero alienar-me. É a minha memória, a minha língua, a minha paisagem. É pequeno, é tristonho, conformadinho. Desculpa-se com o fado e a saudade para não ter de falar em futuro. Por vezes, tem rasgos de audácia e sai da sua modorra para a descoberta das terras, do sol, da liberdade.Sabe fazer a festa do vinho, da bailação, do abraço amigo, do amor atrevido. Detesto-o quando é snob, presunçoso, chorando impérios e prometendo outros. Adoro-o quando se senta à sombra, a preguiçar, e depois se levanta e arruma uma quadra e nunca a lê ao filho que é doutor.

Talvez eu fale de um Portugal que só existe porque eu o quero assim.

Licínia Quitério

SORRISO

O céu escureceu, de nuvens grossas, um frio ladrão violou portas e janelas e pôs-nos um arrepio a tocar os ossos. De súbito, a pedrada miúda e enérgica abateu-se sobre as casas, as ruas. Chuva branca, de contas de gelo. É o Inverno, que estalou lá para a as montanhas, a anunciar-se à vista do mar. Que dia! Escuro, frio, desolador. Nada disso. Apenas um episódio de invernia, forte e breve. Logo, logo, os rasgões nas nuvens já esbranquiçadas a alargarem, a deixarem passar o azul puríssimo. Com o azul vem o oiro esplendoroso. É o sol de inverno, neste céu de Portugal. Risonho, gaiato, oblíquo, desafiando o deslumbre do nosso olhar. Foi quando saí de casa e o enfrentei, sorrindo. Quase feliz.


Licínia Quitério

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