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15.1.13

A SEDE




Traz-me notícias ou um copo de água fresca. Tenho sede. Uma grande sede que não me larga a boca, as mãos, a blusa. Perdi a memória dos líquidos sobre a pele, sobre o chão em redor dos pés. Fresca era a alegria da manhã, a mansidão da noite. Como dizer-te que a chaminé já não tem fumo no inverno, nem pássaros na primavera? O céu é o mesmo retalho agarrado aos muros do quintal, mas, pouco a pouco, tudo vai tendo a mesma cor e há dias em que as nuvens pardacentas se prendem nos meus cabelos. Se me trouxeres um copo de água fresca, ou notícias, ou o que tu quiseres que me mate a sede, talvez o céu volte a ser azul e os pássaros poisem na chaminé. Depois do fumo, morta a cinza.


Licínia Quitério

 

2.1.13

BECOS



Há becos estreitos, escusos, escuros, envelhecidos, por onde entram e saem as cidades. Este fica em terra fria de gente fria, junto a praça que comemora dias sangrentos. Ao turista vendem-se fantasmas, objectos de tortura, algum bloody mary. Nada que me seduza especialmente ou me amedronte, ou me faça rir. Um beco é uma passagem entre a rua e a rua, às vezes entre o sol e a sombra. Também na minha terra os há, que ficaram das traças primitivas, ainda longe do deserto basáltico, da higienização dos costumes, do agora tem que se poupar na iluminação. O beco das curvas é o mais castiço, assim chamado obviamente pela sua serpente entre muros, uns cheiros de glicínia lá no alto, um cheiro a urinol cá mais abaixo. Passo por lá de tempos a tempos, só por passar, para ver se algo mudou, se ainda é atalho de bêbados que com ele conciliam as curvas do andar. Os becos são caminhos de resistência, de modéstia, de clandestinidade. Tudo isto a propósito do beco que vem na foto que nada tem a ver com os da minha terra, mais ao sol, mais ao sul, mais de gente pacata de raro sangue, e agora com um medo transparente no olhar, não me tirem a rua, não, ao menos não me tirem o beco. Gente boquiaberta com o deserto de basalto impoluto, entre a conformação e a saudade, num desatino quando a luz dos candeeiros esmorece, pouco dada a contestações, a exigências, na altura logo se vê, são todos iguais, entre mortos e feridos. Gente de provérbios e frases feitas que fazê-las dá cansaço, gente que ainda não viu bem o beco sem saída em que a meteram, por agora.

Licínia Quitério

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