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25.6.12

O LINHO




Colher, ripar o linho. Fases primeiras do "tormento", assim chamado ao ciclo de um ano em que se trabalha para chegar da semente ao fio. Tarefas duras, de homens e de mulheres, saberes milenares, gestos ritualizados,  benzeduras e cantares que Giacometti ouviu e registou. As fiandeiras, as tecedeiras, as bordadeiras, as mulheres antigas que nos deixam obras preciosas onde se pode ler a paciência, o engenho, os nós da vida atados e desatados, em telas  de ingenuidade e de experiência feitas.

Licínia Quitério

AS ALMAS




As tentadoras histórias das fachadas do tempo. Fico a olhar, a olhar, a máquina a procurar as almas da janela, da dona dos vasos, de todos os que por ali viveram e morreram. Há andorinhas por dentro da frescura do barro. O calor faz ricochete na Gardunha e abrasa a cidade. Regresso com a fachada dentro da máquina. As almas ficaram por lá, no confronto eterno com o calor, com o gelo.

Licínia Quitério

16.6.12

ARROZ DE TELHADO




A liberdade de nascer, de crescer, de avizinhar, de florir, de desistir. Assim acontecem os pequeninos mundos vegetais e as suas fabulosas geometrias. Entre o sol e a chuva, as abelhas rondam as florzinhas de neve de uma planta a que ouvi chamar "arroz de telhado" porque enraíza entre telhas, lá onde o sol é alto e o barro guarda a chuva. Quero que sejam os pardais os semeadores destas heroínas que tão pouco pedem para os seus modestíssimos destinos.

Licínia Quitério

15.6.12

A PORTA DA TARDE



Entretenho-me a espreitar a porta da tarde nas flores dos meus vasos e sonho jardins de outras babilónias, outros impérios, outras gentes, outras tardes quentes que até mim vieram, porque tudo é possível quando espreitamos as portas abertas dos dias cerrados.

Licínia Quitério

Nota: Resposta ao desafio em http://outrostemas.blogspot.pt

13.6.12

ERA UMA CASA




Era uma casa. Às vezes há uma casa que segreda por detrás da cal. Uma casa e uma árvore que veste a intimidade da casa. Há um muro. E o muro está ali para contar que houve um tempo antes da casa. E antes dele nasceram as pedras. A memória antiga das pedras fala de conchas, de peixes, de sal. Ao princípio era o mar, depois a terra e os seus bichos. E houve guerras quando chegaram os homens que fizeram os muros. E fizeram a casa. E plantaram a árvore. E colhem os frutos. E vivem e dormem, por detrás da cal, na casa dos segredos, na concha de terra que veio depois do mar, depois do nada que foi antes do mar, antes, muito antes. 

Licínia Quitério

"O DESPERTAR DOS VERBOS"



Poema de Mário Domingos, do seu único e grande livro. Foi o Amigo, ficou a Poesia e a Saudade.

Licínia Quitério

9.6.12

TADZIO



Um postal, datado de 1911, para o meu Pai, escrito por uma irmã dele. Mergulho em tempos antes do meu. Logo digo: Mio Tadzio! Thomas Mann, Visconti e a Morte em Veneza. O hotel, a mãe de Tadzio, a praia, a cadeira de praia, o calor, o calor, a febre, a beleza, o amor, o amor, o aceno, Tadzio!, o suor, a tinta do cabelo, Amore mio!, a febre, a peste, a água, Tadzio!, o amor, Mein Liebe! a morte.

O postal que a mim chegou, talvez igual a outro que Thomas Mann olhou. Foi ontem. O tempo breve, breve.


Licínia Quitério

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