Site Meter

14.9.12

LISBOA




Falo-te, com o peito a latejar de ausência, cidade aberta ao sul, meu porto de chegadas e partidas nos dias comovidos da asfixia, quando te fugia para a respiração dos homens livres que se chamavam Jacques ou James, das mulheres que se chamavam Claire ou Valery, que passeavam livros nas margens dos rios e fumavam em caves apinhadas de suor e dança e saxofone e contrabaixo e em ti as guitarras choravam por um fado noutra escala, noutra fala.
Suportei-te, com os esbirros de café e teatro, com os amigos lá de casa que partiam de madrugada e não voltavam ou só voltavam anos depois, roídos de saudade e conformados com a pequenez das mesas, o silêncio dos poemas, a palidez dos quadros.
Perdoei-te, quando os  amores viviam clandestinos e as prostitutas tinham meias arrendadas e o pé à parede e não se falava de sífilis. 
Amei-te, quando te ofereceram a madrugada limpa de Sofia e a cobardia dos tiranos não suportou a pulsação das flores.
Vivi as tuas praças ensolaradas de cantos e de pássaros novos chegados de longe para te ver abrir o sorriso de pedra e rio.
Atenta ao regresso dos corvos, assustei-me com as sombras dos esqueletos nos balcões apagando as sardinheiras, com a turvação do rio, com as moedas por detrás da mesa, trinta vezes trinta.
Falo-te e choro-te, cidade do meu norte e do meu sul, porque seca e cabisbaixa te vejo, catando despojos de batalhas perdidas, agoniada nas sirenes das ambulâncias, roída pelos ratos que perderam as naus, encalorada pelas áfricas que acolhes e rejeitas e maltratas  como se não quisesses fazer-lhes filhos tantos. 
Guardo-te, com o peito a latejar de ausência, no meu cofre de vaidade e ternura, para que não te percas, não te vendas, não expulses os teus homens novos, não mates as tuas mulheres velhas, não ponhas de novo o pé à parede como faziam as sem amor antes daquela imensa madrugada.

Licínia Quitério

  

  

Acerca de mim

Também aqui

Follow liciniaq on Twitter
Powered By Blogger
 
Site Meter

Web Site Statistics
Discount Coupon Code