Chegaram e sentaram-se,
frente a frente, nà mesa do café. Os filhos estão na escola, ele teve folga do
serviço, ela, por agora, está desempregada. O dia está bonito, ela até estreou
os óculos escuros que parecem Ray-Ban.
O telemóvel
dele a tocar, ele a atender “Estou sim, diz coisas, pá”. Ela tira o seu aparelho
do saco e, de dedo indicador em riste, dá início à tarefa de ver os e-mails, de
correr o Facebook, um like aqui, outro ali, e outro, e outro, nos posts de muitos
dos seiscentos e tal amigos. A conversa dele continua, continua. Terminada a
distribuição dos likes, ela levanta-se e vai ao balcão pagar. Volta, ele
levanta-se, o telemóvel no ouvido, saem os dois. Vejo-os afastarem-se, lado a lado,
altos, elegantes.
Não trocaram
uma palavra, não se tocaram, não se olharam nos olhos. Um casal tranquilo, sem
espaço para altercações, zangas. Quando for a partilha da guarda dos filhos,
terão ocasião de discutir, acaloradamente, mesmo em frente do juiz, os filhos
são dela, os filhos são dele, ai. Enfim, a bem ou a mal tudo se há-de resolver.
Surpresa foi
a mensagem “Hoje dou cabo dela.” que ele gravou (antes daquilo) e pôs no You-Tube,
com música de uma marcha militar em fundo, demasiado alto, mesmo assim a deixar
perceber a voz rouca de raiva.
Nesse mesmo
dia (antes daquilo), ela desabafou no FB, “Se não fossem os meus ricos filhos,
eu sabia o que fazer.”. Teve muitos comentários e bateu o seu record pessoal de
likes, mais de cem.
Os miúdos,
nos “tempos livres”, desenhavam o pai e a mãe. Tinham ambos uma das mãos na
orelha a segurar uma coisa em forma de borrão. O da mãe era cor-de-rosa, o do
pai era azul.
Licínia Quitério