Por razões
profissionais, conheci em tempos um americano típico, Mister Browne, húngaro de nascimento, a viver
em Los Angeles, um homenzarrão dos seus sessenta anos, de grandes bigodes
grisalhos, que me aparecia de lencinho colorido ao pescoço e não raro com um chapelão
de cow-boy. Tratava-me por Maria, eu sempre lhe dizia que não era e ele,
imperturbável, continuava, Yes, Maria, tal como tratava todas as jovens
portuguesas que, como eu, eram empregadas e tinham patrão. Visitava a empresa
duas vezes por ano, para inspeccionar o fabrico das cadeiras que ali se
fabricavam, em exclusividade para ele, segundo os seus próprios desenhos e
exigências. Ao longo dos anos, fui-me habituando às visitas de trabalho de
Mister Browne, que, nos intervalos das infindáveis reuniões, ficava a conversar
comigo da sua vida familiar, nomeadamente de um dos filhos que andava quase
sempre bêbado e que de trabalhar não gostava, o que trazia Mister Browne
apreensivo com o fígado e o futuro do descendente. Invariavelmente abria a
carteira e mostrava-me as fotos mais recentes da família, da casa, e
ultimamente da piscina que dava um trabalhão a manter limpa, segundo métodos
que me explicava.
Numa dessas conversatas, preparei atalhos para lhe perguntar o que pensava de Hiroshima. Mister Brown retorceu as pontas do bigode, disse ahm, ahm, como dizem sempre os americanos a iniciar as frases, e, perante o meu olhar a filar a resposta, pausadamente, muito pausadamente, ahm, ahm, Maria, Truman fez o que tinha de ser feito, para evitar muito mais mortes. Assim, sem um lamento. Percebeu que eu não estava confortável. Disse, yes Maria, awful, sure Maria, war is awful.
Passaram 72 anos sobre um dos maiores crimes da humanidade e todos os anos por esta altura recordo Mister Browne, a água límpida da sua piscina, o seu pragmatismo a falar de Hiroshima.
Numa dessas conversatas, preparei atalhos para lhe perguntar o que pensava de Hiroshima. Mister Brown retorceu as pontas do bigode, disse ahm, ahm, como dizem sempre os americanos a iniciar as frases, e, perante o meu olhar a filar a resposta, pausadamente, muito pausadamente, ahm, ahm, Maria, Truman fez o que tinha de ser feito, para evitar muito mais mortes. Assim, sem um lamento. Percebeu que eu não estava confortável. Disse, yes Maria, awful, sure Maria, war is awful.
Passaram 72 anos sobre um dos maiores crimes da humanidade e todos os anos por esta altura recordo Mister Browne, a água límpida da sua piscina, o seu pragmatismo a falar de Hiroshima.
Licínia Quitério
foto da net