A loja da Matilde continua a ser um lugar de espantos. Agora
já tem uma maquineta para as senhas de chegada, que há dias em que a freguesia
é muito maior que o espaço onde possa caber. Assim se chega, se tira a senha,
se dá uma olhadela lá para dentro a avaliar o número de cabeças, outra ao
relógio, e se decide se ainda há tempo de ir ali ao sapateiro ver dos
atacadores para as botas. Eu fico, aguardando o meu número de chamada e
aproveitando bem o tempo para ver e ouvir tudo o que há para ser visto e ouvido.
Nesta espera de boa vontade, lá deito mão a um vasinho de petúnias, floridas de
carmesim, a regalarem-me os olhos. Não estava na minha lista de compras, mas
vai e, porque não, há quanto tempo eu disse que havia de plantar, uns pezinhos
de morangueiro, já com um arremedo de botão de flor. Devo ter um ar suspeito,
no meio daquela gente que sabe de terras e de sementes e de trabalhos árduos,
tantas vezes sem o sucesso pretendido. Vale-me o conhecimento da Matilde, na
sua azáfama, a perguntar tá boazinha, não tem aparecido, a atestar que também
ali pertenço. Na loja da Matilde há sempre fenómenos vegetais que no balcão são
exibidos até definharem ou apodrecerem. Procuro-os e lá estão. Uma beterraba
com cinco quilos trezentos e cinquenta, segundo o rótulo, com sessenta
centímetros de comprimento, segundo a medi em palmos. Mas o mais curioso era o
nabo, com três quilos duzentos e cinquenta, conforme o rótulo, acompanhado da
foto, em papel de brilho, do seu produtor, ali de pé, de corpo inteiro, bem
nutrido, orgulhoso, com o troféu seguro em taça numa das mãos possantes. Um
lugar de espantos esta loja do meu bairro. Saí, com um saco em cada mão, dois
para a senhora ir mais aconchegada. Uma maravilha.
Licínia Quitério
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