A gente habitua-se a saber que a vida que levam, que os leva, não os serve, não lhes cabe, não se encaixa. A gente sabe que um dia, mais do que tropeçar, caem, que a vida que levam, que os leva, não perdoa, não se dobra, só lhes pega quando os verga. A gente entende que são a outra parte de nós que não cuspimos no prato porque é feio, que não rasgamos a virgindade dos devassos porque é inútil, que não respiramos fundo, nem roubamos, nem nadamos para longe, nem dizemos aos filhos passem sem mim porque estou farto. Eles são o depósito a prazo da nossa adiada liberdade. Um dia sabemos que a morte os pegou, essa sim, com a franqueza que a vida não lhes deu, e nós ficamos órfãos daquele sonho de nós outros, livres da tal liberdade que só os loucos conhecem, só os loucos nos escondem.
Licínia Quitério
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