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9.7.15

AS RAPARIGAS



São bonitas estas raparigas de longos, largos vestidos, de ombros nus, mais morenas do que brancas, de cabelos compridos, soltos. Diria que são presenças de luz irradiante por detrás dos óculos escuros. Caminham devagar, arrastando um pouco os passos, com uma sensualidade antiga de fêmeas ainda jovens. Muitas trajam de negro, desprezando o calor com que o escuro lhes abusa os corpos. 
Enquanto caminham, ou se sentam, ou aguardam a sua vez numa fila, dedilham com obstinação os pequenos aparelhos com que ouvem, falam, escrevem, observam. As notícias que lhes chegam do outro lado do mundo, do outro lado do éter, do outro lado da vida, não parecem interessantes, surpreendentes, reconfortantes, ou assustadoras, tristes, desconfortantes. Digo isto porque, no seu afã de procurarem o outro lado, o outro no outro lado, os seus rostos permanecem lisos, sem marcas do tempo, sem vestígios de emoções. 
Enquanto caminham e se sentam e esperam, estas bonitas raparigas de longas vestes não sorriem, não choram, não se lhes adivinha traço de alegria, de espanto, de comiseração, de desgosto. Pensando melhor, nos seus rostos, aparentemente tranquilos, desenha-se por vezes uma leve decepção, os cantos da boca precocemente descaídos, um esboço de vinco entre os sobrolhos. 
São as novas mulheres, lendo e escrevendo cartas de amor e despedida, tal e qual suas avós, como elas dedilhando os dias, no desconhecimento dos anos, neste seu tempo ardente de procurar e encontrar.

Licínia Quitério

foto de Les Demoiselles d'Avignon, de Pablo Picasso - recolhida na net

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