Estava tão pálido que as manchas da idade sobressaíam no
rosto como um arquipélago de ilhas desertas. As mãos afadigavam-se a amarrotar um boné que
há pouco o protegera da chuva miúda. A televisão transmitia, sem som, um
programa vulgarmente designado de entretenimento. Sentou-se mesmo por baixo
dela, desinteressado, alheado. A seu lado, um suporte de revistas antigas com
retratos de figuras conhecidas do
espectáculo. Nem as olhou. Possivelmente nem reparou nas únicas duas outras
pessoas na sala de espera da clínica. A mulher obesa, de ligaduras na perna
inchada, que suspirava abundantemente, e o jovem absorto a passar as polpas dos
indicadores no écran do seu telemóvel inteligente. O homem era mais pálido por
causa da luz artificial da sala, instalada há décadas na cave húmida e escura
da clínica privada. Reparando melhor, também a mulher gorda e o rapaz do
telemóvel se apresentavam descorados, baços, e a napa que revestia os assentos
era de um rosa pálido, desbotado. Nos painéis de madeira que faziam de paredes, alguns
cartazes a anunciarem especialidades médicas, a avisarem que os exames devem
ser levantados dentro de xis meses, a pedirem silêncio no corredor muito
estreito onde se cruzam pacientes, médicos, funcionários administrativos,
dizendo “desculpe”, “com licença”, uns numa pressa, outros penosamente
ajudados por bengalas mecânicas ou, com
alguma sorte, humanas. Dos vários gabinetes saíam vozes, quase sempre
femininas, fazendo a chamada do paciente seguinte. O homem pálido foi o último
a ser chamado para um gabinete por detrás de uma das paredes de madeira e que
tinha uma tosca tabuleta que dizia RADIOLOGIA. Quando desapareceu e a porta se fechou, a sala
ficou vazia, pálida, húmida, triste, sem ao menos um vasinho de flores que, pensando
bem, depressa murchariam na luz fraca da cave. Há lugares assim, neste mundo de vivos, longe, muito longe da provável alegria.
Licínia Quitério
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