Era inverno e eu perdia-me no jardim-floresta com as miúdas. Levava-as (levavam-me?) a uma aventura, daquelas dos livros que eu lhes comprava. Nesse tempo, a manta morta entre as árvores era o país dos duendes, verdinhos, de grandes gorros e orelhas que neles não cabiam. Tínhamos cuidados para não os pisar. As miúdas levantavam os pezitos e às vezes estatelavam-se e magoavam os joelhos. Nada de importante, nada de choros. Uma aventura é uma aventura e se uma silva nos arranha as pernas é para depois escrevermos uma história emocionante. Bonito, bonito, e as miúdas não esquecem, e eu não esqueço, foi quando ouvimos a conversa das árvores. Com os ouvidos encostados ao grande tronco, podíamos distinguir os gritos, os rugidos das seivas, das cascas. Com a força do vento da véspera, uma árvore mais débil tombara e apoiara-se na outra, velha e forte. Os olhitos das miúdas aumentavam de tamanho, de brilho e de algum susto. Fi-las olhar para cima, lá muito em cima, onde as ramadas de ambas as árvores se tocavam, se entrelaçavam, se soltavam, numa briga que o vento alimentava. Eram as falas das árvores zangadas que os nossos ouvidos escutavam, maravilhados. Depressa começámos a traduzir as falas vegetais, os suspiros, os ais, o ranger de cordas, tronco acima, tronco abaixo. Nunca mais ouvi uma discussão assim. As miúdas também não. Mas ainda hoje falamos da aventura das árvores que falam.
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