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7.6.10

CRÓNICA DE PERMANÊNCIA


Havia um relógio na parede, com um cavalinho a encimá-lo. Talvez tivesse uma patinha dianteira erguida, já não sei bem. O balançar do pêndulo hipnotizava-me. Não conseguia desviar os olhos daquele disco dourado, lavrado de arabescos. Tic-tac, tic-tac, tic-tac. E a menina que eu era entristecia, como entristecem as meninas, levemente, sem demoras. Logo, logo, se abria uma luzinha nos meus olhos. Na mesma parede, um de cada lado do relógio tic-tac, um azulejo de loiça branca, com uma cara de gato preto. Cara, sim, que os gatos sorriem e só sorri quem tem cara. Ao pescoço uma coleirinha amarela, com um guizo pendente, da mesma cor. Por detrás do gato havia umas folhas verdes que eu imaginava serem de couve e que nunca entendi muito bem para que quer um gato a companhia de uma couve. Iguaizinhos, nos seus baixos relevos brilhantes, lá estavam eles, um de cada lado do tic-tac. Sempre esperei que um dia virassem ao de leve as cabecitas e se olhassem, como se um deles fosse apenas espelho, o que nunca aconteceu. Muitos anos passados, já sem a avó nem o relógio tic-tac, um deles continua comigo. O outro seguiu caminho diferente, vive noutra casa. Por isso deixei de esperar que voltasse a cabeça para olhar o outro como se fosse um espelho.
O certo é que, ainda hoje, quando sinto que a tristeza quer chegar porque algum tic-tac soou no meu coração, olho o meu gato preto, com seu guizinho dourado e sorrimos, frente a frente, como mulher e gato que se conhecem, se adivinham.

Licínia Quitério

1 comentário:

Maria disse...

Esse gato é meu conhecido faz tempo.
Nasceu na Bordallo Pinheiro e as folhas verdes não são de couve, mas de sardinheira... portanto o gato está no seu meio ambiente, no meio de flores...

E pronto, espero que o gato e tu sorriam com este comentário...

Um beijo, Licínia.

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