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7.6.10

CRÓNICA DAS LONJURAS

Não tardaria aí o minuto de comer as passas, de beber o espumante, de subir para a cadeira, de beijar os amigos, de apitar as gaitas, de bater latas.
A mulher afastou-se discretamente do ruído da sala de festa e foi à varanda. A noite fria, húmida, serena. Iluminações festivas nas ruas ao longe, que aquela ainda guardava o nome de azinhaga e luzes só as das janelas. Na antecipação da explosão, faz-se um silêncio. Breve, ansioso, quase dorido.
Foi esse tempo que o homem aproveitou para se passear pela azinhaga deserta de gentes e de carros. Era só um homem no escuro da rua, que a claridade começava à altura de dois pisos. Com andar desengonçado, sinuoso, falava alto para o telemóvel bem encostado ao ouvido direito. O sotaque de africano falando português, de vogais bem abertas. “Que saudades, maninho. Tou bem. Tou bem. Beijo na Jessica, mano. Tudo bem. Tudo bem.”
Na TV da sala ouvia-se a contagem decrescente: “…cinco…quatro…três…dois…uuum!!”
O homem deu uma gargalhada e desapareceu ao virar da esquina. Dobrara o cabo do ano. A rir, ao telefone, com o maninho num outro continente.
A mulher continuou à varanda e viu o fogo de artifício romper o céu. Novelos de luz, flores de cor, lágrimas descendentes. Uma delas reflectiu-se-lhe no rosto. Como se pedisse guarida. “Tudo bem, maninha. Tudo bem.”


Licínia Quitério

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