Era uma vez um inglês, súbdito de Sua
Majestade a Rainha Isabel, a primeira do seu trono, senhora de grande pudor e
maior religiosidade. Grande era a urgência de Sua Majestade em combater os
católicos, derrotá-los, custasse o que custasse, que bastava de heresias,
mordomias e ousadias, com anglicanos disputadas.
Foi nesse tempo de feroz
guerrear que Dom Francis Trezian, desapossado de títulos e propriedades, meteu
pernas a navio e ala que se faz tarde, em derradeira tentativa de salvar a pele
da fúria dos inimigos.
Quis o destino, como se costuma dizer, que aportasse a
terras lusas, exactamente ao porto de Lisboa, cidade que sempre acolheu
estranhas gentes vindas dos mais estranhos mundos, o que não era o caso, dado
tratar-se de um cidadão de país aliado, por razões de casórios e domínios. A
Lisboa chegou, em Lisboa ficou e, segundo não rezam as crónicas, bem se
acostumou a estas gentes morenas e versejadoras, tanto melhor ainda quanto se travou
de conhecimentos e amizades com conterrâneos seus, por boa ou má sorte também ali
chegados.
Por feitos ou virtudes, foi Dom Francis Trezian ganhando fama de
santidade. Vá-se lá saber quando e porquê é um povo tocado por palavras ou
actos incomuns na humanidade de seu tempo. A parca chegou, no ano de 1608, pondo
fim à sua viagem de danos e venturas.
Dezassete anos decorridos após a sua
morte, no dia 25 de Abril de 1625, quis a comunidade inglesa de Lisboa, a
católica, bem entendido, prestar-lhe homenagem devida, tratando para tal de lhe
arranjar sepultura condigna. Milagre foi dito quando, ao exumarem o corpo, o
encontraram inteiro e incorrupto. De santidade se trataria, sem dúvida, o que a
Igreja não confirmou, mas os homens acharam, e, para afirmarem a incorrupção do
corpo e o seu triunfo na terra, lhe quiseram dar túmulo vertical onde
repousasse, em posição bem apropriada para uma ascensão celeste. Com tal
desígnio, precisamente um ano depois, no dia 25 de Abril de 1626, foi colocado
no mármore, como se de pé estivesse, Dom Francis Trezian, conforme atesta lápide
evocativa, na Igreja de São Roque de Lisboa.
Licínia Quitério
foto da net
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