Subia a escada muito depressa, trazia um embrulhinho na mão,
vinha excitada, os grandes olhos a brilharem e dizia, repetidas vezes, é uma
prenda, é uma prenda para a L. E dizia desembrulhe, desembrulhe, e a L, surpreendida
e divertida com o entusiasmo da cachopinha, desembrulhou os dois pequeninos
castiçais de metal doirado, a reluzir.
Gosta, gosta? E a agarrar-se ao pescoço da L, um beijinho de cada lado,
parabéns, parabéns. Vinha a menina para
a sua primeira aprendizagem de língua francesa, que o Pai dela, professor muito
querido da L, assim quisera, para algum embaraço da L, também ainda menina, nos
seus dezassete anos, nesse dia a chegarem, tão verdes, tão verdes ainda. A
cachopinha de cabelo loiro aprendia a dizer bonjour, je m’appelle M, le chat
est très joli, au revoir mademoiselle, por vezes sentada nos joelhos da L, numa
meiguice, numa alegria dos seus sete aninhos, e a L aprendia a ensinar, com a
sua primeira aluna, tão inteligente a miúda.
Cresceu a M, cresceu ainda a L, a vida separou-as, longe,
longe, muito tempo, tanto tempo, até que um dia voltaram a encontrar-se, no
Outono das suas caminhadas, a M ainda numa corrida, ambas num abraço enorme, a
L a fazer anos, outra vez, e os grandes olhos da M de novo ali, e o sorriso, e
os sorrisos, e as vidas tão longas já, tão lembradas do princípio.
Os castiçais pequeninos moraram em várias casas, em várias
vitrinas, escureceram um pouco. Hoje foram de novo embrulhados e metidos numa mala. Vão voltar às mãos da M. As coisas devem conhecer os seus caminhos de regresso.
Licínia Quitério
1 comentário:
Adoro histórias, como sabes, minha amiga!
Um belo texto...
A primeira aluna, o presente, os sorrisos, a aprendizagem e por fim os abraços do reencontro e o regresso à origem....Benditos reencontros!
Adorei!
Beijinhos
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