Foi no dia em que voltou a casa e a encontrou invulgarmente fria que recordou o nome dele. Foi às agendas antigas, amarelecidas, guardadas na gaveta dos papéis inúteis, e procurou, procurou. O nome lá estava, o apelido em primeiro lugar, que ela sempre fora metódica nos seus apontamentos, um pouco esborratada a tinta pelas humidades do tempo, da casa, dos corpos. Um número de telefone à frente, esse bem legível, de poucos algarismos, que já teria sido mudado, acrescentado, decerto. Pediu ao neto que tentasse na internet saber o número actualizado. Ele ainda refilou, a afirmar a rebeldia, mas na mesma tarde telefonou-lhe. Tinham sido adicionados três algarismos, no princípio. O nome do assinante era o mesmo, sim senhora.
Hesitou bastante em ligar, achou-se velha tonta, julgou a ideia uma indignidade para com a memória do seu homem que partira há muito, pensou no que diria se fosse a mulher dele que atendesse, sentiu-se corada e menina, em clandestinidades de outrora.
Foi breve o diálogo, entrecortado por breves silêncios, de uma e de outra parte:
- Desculpe, é de casa do senhor J G M T?
Uma voz jovem de mulher perguntou:
- É, sim. Quem fala?
- Uma velha amiga. Ele está?
- Não, o avô não está.
- Ah! Gostava de lhe falar. Fomos amigos há muitos anos.
- Pois. O avô está agora num Lar. Se quiser, digo-lhe onde é. Tem visitas da parte da tarde.
Disse Ah! e desligou.
Com certeza os olhos dele já não lhe trespassariam o corpo, agora tão desajeitado, nem os dedos lhe guiariam a cintura que engrossara. Nunca as danças se repetem. Só as dores.
Licínia Quitério
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