A Avó era pequenina, redondinha, airosa ainda no seu traje de viúva. Costurava os seus trapinhos numa máquina de manivela, sem pedal, que assentava numa mesinha de madeira, com um muro baixinho à volta do tampo, não fosse a máquina-só-tronco estremecer e sair mesa fora. A Avó sentava-se numa cadeira que dizia austríaca, de madeira preta, torneada, de assento de palhinha, a que mandara cortar uns bons centímetros de pernas, à medida da altura da Avó, da altura da mesa da máquina.
A máquina foi-se embora, a Avó também e mais a cadeira. Por artes de partilhas e repartilhas, sem eu dar bem conta, a mesa da máquina-só-tronco veio habitar o meu sótão das coisas sobrantes de vidas encerradas. Por capricho de recolectora de memórias em que me tornei, a mesa, já sem murete, pintada de vermelho, com tampo revestido de linóleo também sobrante de outro tempo, com sua gaveta de fechadura de chave perdida, instalou-se na minha cozinha, em parelha com banco de buraquinho no assento. A máquina deu lugar aos meus vasos de orquídeas, flores desconhecidas no tempo da Avó pequenina, que dava à manivela da máquina, no acerto e transformação de seus bem amados trapinhos.
Licínia Quitério
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