Acho que sou uma boa ouvidora. Deve ser por isso que amiúde
pessoas me procuram para que as oiça. Chegam e ficam, durante horas, a falar, a
contarem-me histórias, verdadeiras ou inventadas, tristes ou alegres, vulgares
ou inacreditáveis. Vidas que parecem banais, lineares, no desfiar da voz
desenrolam-se, desdobram-se, alimentam-se, excedem-se ou apaziguam-se. Não sei
quantas histórias já ouvi, quantos relatos de amores, de dores, de perdas, de
carências, de desditas, também de comicidades, de curiosidades, de
extravagâncias. O ouvidor concede quase sempre um intervalo na solidão, um
tempo de inclusão no relacionamento humano, um pequenino aceno de concordância
ou discordância, mas sempre de presença, uma presença viva, atenta, paciente,
disponível. Nem sempre volta, o falador. Há quem se arrependa de ter falado a
quem nada perguntou, de recear a quebra do sigilo que a conversa impõe. É assim
com os menos confiantes em si próprios e nos outros, com os tímidos, com os
orgulhosos. Voltam quase sempre os que se entregam, os que dão, os que procuram
sem vergonha o outro extremo da própria voz. Ouvir quem quer ser ouvido não é
uma ciência, é uma arte que involuntariamente aperfeiçoo e com os falantes me
enriqueço, me entristeço, me percebo um pouco mais. A fala é dos maiores dons
da Humanidade. Oiçamo-la.
Licínia Quitério
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