
Fiquei a escutá-la. Tem um nome de que desconheço a pronúncia. Tzipi Livni. A pele é branca e o cabelo mostra-se loiro. É uma mulher do meu mundo a que chamam ocidental. A terra dela fica na linha fronteiriça de muitos ódios. Terras vizinhas de deuses e de profetas e de disputas sangrentas por água e terra e pastagens e camelos e oleodutos e mísseis. Berço de civilizações, diz-se. A mulher tem filhos crescidos. A mulher notabilizou-se na perseguição e aniquilação de inimigos. São inimigos dela, dos pais, dos avós e de todos os avós de toda a sua gente. A mulher tem uma inteligência aferida em 150 não sei que unidades. A mulher chefia, praticamente, a sua nação que está desde sempre em guerra. Com todo o interesse aguardei a sua comunicação sobre a guerra desta semana. Foi quando me apercebi de que tem dificuldade em articular certos sons. A língua avança demasiado e os dentes demoram em descerrar. O som produzido é semelhante a um silvo. Nesse preciso instante, há um estremecimento no rosto de maxilas largas. Só os olhos não denunciam a dificuldade, a imperfeição. São olhos parados, secos, esquecidos das pálpebras. A mulher acabou de afirmar que a guerra continuará e se intensificará até à destruição do inimigo. É ela quem ordena. Avisa que morrerão inocentes. Como em todas as guerras, explica. Retira-se, com o olhar sem pálpebras.
É uma mulher do meu tempo, do meu mundo chamado ocidental. O seu destino é a vingança.
Mahatma Gandhi disse, na língua dos seus inimigos: An eye for an eye makes us blind. Não sei em que unidades se poderá aferir a inteligência do seu coração.
Licínia Quitério
imagens Google
8 comentários:
Eu vi. Horrorizei-me tanto como se atrás do silvo viesse um cogumelo atómico.
Como é possível?
Bj
Não vi, mas posso imaginar, pelo teu texto, o tipo de mulher. Mulher?? E para onde foi a humanidade?
Que excelente espírito de observação, Licínia!
Foi mesmo assim como descreves!
Uma senhora da guerra, com um coração j«a cego pelo ódio!
Não vi, mas, realmente a tua mestria nas palavras é tanta, que no teu texto visualisei a "criatura".
Bjs
TD
Vi e também senti, mas sem palavras, o que aqui dizes tão bem.
a guerra deve ser uma espécie de ópio que no inicio mostra novos horizontes e depois oscila entre a intoxicação e o ódio de si mesmo, aplacado nos outros. Tal como o amor causa dependência, acredito que tb o avesso o faça. É um ir sem retrocessos até atingir a vingança. An eye for an eye literalmente.
Muito bem feita a descrição da senhora no seu momento de antena vazio.
Não vi e também há demasiado tempo que aqui não vinha, a este soutro sitio, tão importante...
Parece-me que já não há distinção entre os sexos das pessoas. Cada vez mais arrepia-me a ideia (cada vez mais consistente) que apenas se dividem em dois grupos: as que buscam o poder e as que buscam o amor.
Acredito no poder do amor, que afinal é tão contra-poder.
Acredito no poder do amor, num tempo em que a paz jaz nas mãos dos que possuem o poder...
Este mundo dá-me frio.
Cansa-me. Destroi-me a esperança.
E todos os dias, recomeço o crochet, no ponto onde o mundo, na véspera, o parou de desmanchar...
Abraço de sábado à tarde.
Olá, felizmente não faz mesmo parte das mulheres da minha vida. Há quanto tempo não nos visitávamos. Mas gostei tanto der cá vir.
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