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15.4.08

DONA CLOTILDE (em folhetim)

Fascículo 2º.

Paixão é paixão, os ouvidos só ouvem o que querem ouvir, e o namoro prosseguiu e aqueceu, mau grado os avisos constantes do Padrinho: "Olha que esse Fulano não é flor que se cheire. Aquelas falinhas mansas escondem alguma tramóia. Tu és uma criança, não sabes nada da vida. Depois não digas que não te avisei.".
Que não, Padrinho, o Gustavo era um anjo que descera à Terra para a fazer feliz.
"Olha, Filha, estou cansado de gastar palavras sobre este assunto... Nunca te esqueças de que quem fizer ruim cama nela se deita.".
Choramingou, soltou ais do fundo da sua alma em rebuliço. Tinha tanta pena que a alegria dela não contagiasse o seu protector! Mas não perdeu muito tempo com lamentos. Após os preparativos algo apressados, fez mesmo a cama, deitou-se nela e gostou.
Era finalmente uma senhora casada com um pedaço de homem que só de o olhar sentia os braços em pele de galinha.
Para que a felicidade fosse completa naquele lar, só faltavam mesmo as risadas de crianças, no plural, que filhos, ter só um, é como não ter nenhum.
Mas o destino pregou-lhes a partida. Apesar de todas as ardências partilhadas com assiduidades convenientes, (mas sem deboches, que o Tavinho sabia respeitar o recato próprio duma esposa amantíssima) o tão desejado rebento tardava e os pais putativos desesperavam.
O destino, sempre o destino, (digam o que disserem já nascemos com ele traçado) colocou-lhes nos braços uma pobre criança, rejeitada pela mãe, uma perdida, indigna desse sagrado nome. Piores que os animais, que esses lutam para não perderem as crias. A princípio, ainda hesitaram. Era uma responsabilidade muito grande. Levar para casa uma criança não é o mesmo que comprar um canário ou mesmo um cãozinho. É um ser humano que precisa de amor, de educação e de boa alimentação. Não era por isso uma decisão a tomar levianamente. Falaram muito sobre o assunto, quantas vezes agarradinhos um ao outro, sem saber se haviam de chorar se de rir. Mas parece que Deus os chamava para uma missão, sem dúvida nenhuma, nobre. E o anjinho era lindo, uma menina de poucos meses que fazia “dádádá prrrr” quando lhe afloravam o narizito com o indicador. Como resistir? Não era carne da carne deles, mas tinham todo o amor deste mundo para lhe dar.
O processo de adopção ainda teve os seus quês. Valeu-lhes a simpatia do senhor doutor Justino que, a troco de algum dinheiro, bem entendido, nada se faz sem dinheiro, deu por eles todas as voltas necessárias, que foram muitas, e tratou da papelada que parecia não ter fim. O certo é que, ao fim de menos de um ano, conseguiram ter, à face da lei, a filha que Deus não quisera chegasse por outros meios. Filha de Gustavo de Sousa Paiva e de Clotilde da Conceição Correia Sousa Paiva, assim passou a fazer parte das suas vidas a Fatinha, afilhada de Nossa Senhora do Rosário de Fátima. Dona Clotilde sentia-se em estado de graça, abençoada pelo amor da Terra e dos Céus.
Na escola, Fatinha só deu alegrias aos Pais. Boa aluna, embora sem grandes brilhos, bem comportada, respeitadora dos senhores professores a quem levava prendinhas pelo Natal e pela Páscoa. Pouco amiga de brincadeiras arrapazadas, quase não sujava as batitas de colarinhos brancos, tesos de goma. Já no liceu, o corpito começou em estremecimentos anunciadores de floração próxima. Dona Clotilde sentiu uma estranha angústia quando a sua menina anunciou que já era senhora, o que significava o despertar confuso da mulher com toda a sua corte de espantos e explosões. Nesse exacto dia, iniciou uma novena à Virgem Nossa Senhora, para que, dentro das regras do negócio divino, a Imaculada guardasse Fatinha das tentações do mundo, cheio de lobos à espreita de cordeiros tenrinhos.

continua...

Licínia Quitério

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