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3.6.17

A VELHA VIZINHA


Tocou à campainha. Vinha de robe azul claro, chinelos de tiras, os braços apoiados em canadianas, e tremia e dizia, desculpe, desculpe, eu estou muito aflita, se a senhora me fizer o favor de me ajudar, o telemóvel, não percebo de telemóveis, quero telefonar ao meu filho, ele ainda não apareceu hoje, estou muito aflita, não consigo ligar-lhe, aparece um cadeado, eu não percebo nada destas coisas, se a senhora puder. O meu marido, o meu marido desapareceu está maluco de todo, tem Alzheimer, saiu e ainda não voltou, deixou a casa toda por arrumar, o lixo espalhado e eu nesta desgraça é que tive de juntar tudo, ai se a senhora puder.
Mora ali mesmo em frente há relativamente pouco tempo, nunca tínhamos falado, mas ela achou que eu a podia ajudar, tinha-me visto entrar em casa.
Pronto, o cadeado já desapareceu, quer ligar, quer que eu ligue, como se chama o seu filho, não, esse nome não vem na lista, vem uma R. Sim, pode ser, é a minha nora, não gosto dela, ela é muito má para mim, mas ligue a senhora, faça-me mais esse favor.
Falou com a R., sem animosidade aparente, falou, falou, despediu-se. Já estava mais sossegada, ai se não fosse a senhora, que deus lhe pague, ai.
Ajudei-a a levantar-se do cadeirão que ela achou muito maciozinho, atravessei a rua com ela, uma eternidade, felizmente não passou nenhum carro, não conseguiu abrir a porta com a chave que trazia pendurada ao pescoço, os dedos não têm força, muito obrigada, deus lhe pague.

Fez-me muita pena. Ela já deve ter muita idade, está aleijada numa anca, tem o marido “maluco”, tomara que ele não volte, disse, não me serve para nada.
Tinha um cadeado no telemóvel, os pés muito inchados,  e uma grande raiva pela vida, a vizinha que hoje me tocou à porta.

Licínia Quitério

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