Vão a todos. Ela troca a boina vermelha pela branca, ele põe
a gravata preta, de nó fininho, acerta com precisão o risco ao lado no cabelo
grisalho, ainda bonito. Ela toma-lhe a dianteira, uma dúzia de passos, não
mais, mas espera por ele à porta da casa do velório. Entram de braço dado, de
olhos no chão, ar contristado. Caminham entre os circunstantes, à procura de
familiares chegados do defunto a quem darão os pêsames, ele em surdina, ela em
falsete.
Há-de haver um lugar vago, pelo menos um, para se sentarem e
ficarem até ao final da cerimónia. Se não houver, de momento ficarão de pé, lá
atrás, encostados à parede, que as pernas já não aguentam muito esforço na
vertical.
Entre os assistentes trocam-se olhares interrogativos e
ouve-se “não, não sei quem são”.
Vão a todos. Para poderem cumprir escrupulosamente este
dever cívico que se impuseram, consultam diariamente os anúncios com as cruzes
e retratos afixados nos lugares públicos, os mesmos de sempre, há muitos anos.
Com as suas idades maiores, têm envelhecido ultimamente com
alguma pressa. Um dia faltarão ao encontro com os mortos da terra, quebrarão o
pacto com os viajantes.
Nas suas próprias viagens, serão acompanhados por um extenso
cortejo de sombras que só eles poderão ver, agora que terminaram as tarefas,
incrivelmente precisas, a que a louca mansidão dos dias os condenou.
Licínia Quitério
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