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27.7.11

A CIDADE



Nunca entendeu a cidade. As ruas como serpentes, subindo e descendo colinas, num alvoroço de carros e de gentes. Becos, travessas, calçadas, em profusão. Largos, praças, pracetas. Sabia que lá no fundo se deitava o rio. Dele o cheiro de marés e marinheiros de travessia. Dele a neblina sonolenta a roçar as portadas, a assustar as sardinheiras. Quantas vezes se perdeu na traiçoeira malha de caminhos? Insistia. Retrocedia, aceitava o desafio de uma curva em cotovelo, seguida de outra e outra e mais outra. Dobrava as esquinas que para serem dobradas foram feitas. Por vezes, sentia cansaço e parava num miradouro. Aproveitava para ganhar pontos de referência: uma igreja, um obelisco, um jardim, um prédio assustadoramente alto. Não voltaria a perder-se. Mas a memória estava gasta de lembrar os seus mapas interiores. E voltava a perder-se. Desistiu de entender a cidade. Aprendeu a viver nela sem tentar decifrar-lhe os enigmas. Tranquilamente, percorria os seus labirintos, deixando o acaso escolher as direcções, até que um dia se encontrou em frente de um portão entreaberto, ao fundo de uma ruela sem brilho. Ia jurar que nunca ali tinha passado. Sentiu um arrepio quando o transpôs. Olhou para trás e viu a cidade larga, limpa, sem serpentes nem neblinas. Mas longe, longe... E seguiu em frente.


Licínia Quitério

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