Era uma mulher grossa, volumosa, deformada, de corpo e de gesto. Vestia de negro e os cabelos hirsutos, presos na nuca com um atilho, também eram negros. Os olhos claros moviam-se com rapidez, curiosos, desconfiados, inseguros. Falava alto, num registo agudo que por vezes arranhava o ar. Esfregava o nariz largo com a palma da mão, de baixo para cima. Parecia que desde sempre o fizera, e por isso ele apontava para o alto. As argolas de ouro nas orelhas perdiam-se na abundância do pescoço. Era uma mulher enorme, possante, inquieta. Nunca a tinha visto, mas era-me tão familiar. Não parei de a observar até que ela saltou para o quadro e se juntou às outras, as avestruzes, as que abortam, as que engraxam as botas, as que lavam o chão, as que têm joanetes e sorrisos como navalhas. Mistério decifrado.
Licínia Quitério
Quadro de Paula Rego
1 comentário:
A mulher que aqui descreves deve ser horrível, incómoda ao nosso olhar que tem desejo de beleza e de equilíbrio estético.
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