Ninguém pode saber que feitio têm as guerras. Mesmo quem lá esteve tem sobre isso grandes dúvidas. Podem dizer que são planas como a terra dos planaltos depois das máquinas, uma vez enterrados os corpos, ou esféricas como os planetas negros onde todos os caminhos conduzem ao princípio. A cor das guerras é diversa como a dos mutantes, sépia de polvos, vermelha de sangue fresco, luzente de fogos-fátuos. Da duração das guerras pouco se sabe, que a contagem dos segundos não se faz com o tempo dos vivos. Cada um de nós tem o seu saber da guerra, a sua presunção, a sua lembrança ou a lembrança de um relato que lhe fizeram de outro relato de alguém que viu ou não viu.
A Joana contou-me
como sabe tudo do feitio, da cor, da duração e até do tamanho da guerra.
Contou-me da pulseira de missangas azuis e vermelhas, com quinze centímetros de
comprimento, que levou uma semana a chegar da guerra até às mãos da tia. Foi
prenda de um namorado guerreiro que gostava muito dela e que, como prova de
grande amor, lha mandou para que a desse à Joana, então menina de quem ele
gostava muito e até dizia que ele e a tia haviam de ter uma filha assim loirinha
e de grandes olhos. A acompanhar a pulseirinha vinha um bilhete que dizia “Da
primeira menina pretinha que tive de matar, com pena, mas a guerra é assim.”. Compreende-se
por que razão a Joana diz que a guerra tem quinze centímetros de comprimento, é
azul e vermelha e dura dois meses a fazer, que é o tempo de chegar do pulso da
menina preta ao da menina loira.
A cada um o seu saber das guerras, que
entendê-las não é possível.
Licínia Quitério
foto da net - imagem do filme O Pianista
foto da net - imagem do filme O Pianista
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