Era uma loja pequena, envolta naquele cheiro quente e doce
do chocolate. Em toda a loja havia chocolates e os chocolates eram de todos os
feitios, cores, texturas, recheios. Para todas as ocasiões, como se notava
pelos anjinhos prontos para a comunhão solene. Sentei-me na cadeira
rococó, enquanto as amigas escolhiam por
entre aquela girândola de bombons, correndo o balcão em L de uma ponta à outra,
numa indecisão de quem escolhe quando a oferta é exorbitante. Enquanto olhava
em redor, catando os movimentos, eu pensava que tudo naquela casa era feito de
chocolate. As paredes, o tecto, o chão, os móveis, tudo como num conto
germânico de infância. Mas o mais
espantoso era a senhora de idade, como se diz de quem passou alguns
"entas", magrinha, pequena, as costas já curvadas de tanto se dobrar
sobre o balcão, de pinça e caixinha, a escolher, este, este não, aquele, mais
um, com rapidez, de passinhos miúdos e deslizantes, a cabeleira impecavelmente
penteada, os brincos, o colar com um pendantif, os óculos de aro dourado.
Falava a senhora dos chocolates, enquanto escolhia, mais um destes, mais uma
caixinha, das pequenas. Falava do seu desejo de viajar, de sair dali, de deixar
o cheiro quente do chocolate e partir, por uns dias que fosse, para um país de
sol e mar. Não podia. O marido não gostava de viajar, o filho também não, as
amigas abastadas faziam viagens caras demais para ela, as amigas menos
afortunadas não tinham dinheiro que chegasse. Deu um suspiro, endireitou quanto
pôde o arco das costas e disse: É tão difícil, uma mulher sozinha.
Levantei-me, as amigas já tinham as suas caixinhas de
delícias, olhei mais de perto para a senhora de olhinho triste. Pensei: se ela fosse também de chocolate não
havia de querer trocar a loja por uns dias de sol e companhia. Isto de ser de
carne e osso, e mulher e sozinha tem que se lhe diga. Não é doce, não, pensa a
senhora da loja dos chocolates. |
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