Mutuamente se observam, as suricatas e os humanos. Disseram-lhes que pertencem ao mesmo maravilhoso mundo dos episodicamente vivos. Como as palmeiras anãs ou as iguanas ou a mosca da fruta ou as amibas. Passam os milénios que os homens tomam por medida e toda esta massa pulsante de viventes se transforma e adapta e evolui e continua em sucessivos estádios de comunhão com os glaciares e as estrelas. Nós, os não cientistas, nem teólogos, nem filósofos, nem poetas de alta estirpe, raras vezes nos olhamos interrogativamente e, quando o fazemos, brevemente desistimos de obter respostas que relegamos para o lugar confortável dos "insondáveis mistérios".
Vem isto a propósito duma excelente exposição sobre o pensamento e acção de Darwin e suas implicações no mundo de hoje. E a propósito também de dois jovens que encontrei numa paragem de transporte público. Não me viram. Não se viram. O rapaz exercitava freneticamente os polegares em dois telemóveis que constantemente produziam sons breves e desencontrados. Quando os sons se detinham, o rapaz continuava a agitar os polegares sem tocar os aparelhos e mordia o lábio inferior, num sinal que intrepretei como angústia perante a momentânea quebra de contacto. A rapariga trajava de negro, tinha ao peito um pin branco com uma caveira e duas tíbias a negro e lia contos de Allan Poe. Quando interrompia a leitura, os olhos eram de um lindo azul translúcido, parados como os olhos parados dos velhos.
Que sei eu daqueles humanos com que me cruzei senão o que Darwin afirmou? Eu, as suricatas, o rapaz teclante, a rapariga de negro, somos partes de um mesmo todo. Uma universal solidão nos agrega, colmatando a diversidade das espécies.
Licínia Quitério
1 comentário:
Licinia,
todos tão diferentes e todos tão iguais.
Como se a evolução colmatasse em solidão.
E só em solidão.
Abraço grande.
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